terça-feira, 20 de abril de 2010

Reflexos do dia a dia

Em suas mãos não havia aliança. Essa é uma observação importante que faço sempre que acho uma pessoa interessante. E com certeza, ela parecia interessante. Não prestei muita atenção no início. Apenas entrei no ônibus e procurei uma poltrona próxima a janela, do lado esquerdo. Escorei a cabeça no banco, desconfortável admito, mas bastante convidativo para alguém com sono, como era meu caso. Quase fechando os olhos, percebo o reflexo no vidro: uma silhueta esguia, pele branca, delicada, rosto de porcelana e mãos cuidadosamente pousadas sobre a bolsa em seu colo, sentada na poltrona imediatamente à minha frente.

Apesar de bonita, a jovem - de 18 ou 19 anos - não é o tipo de garota que me atrai. Um pouco de futilidade no olhar, expressão esnobe. Apesar de não atrair, não consigo tirar os olhos daquele reflexo. A verdade é que procuro algo para me distrair, e observar aquela garota é o mais próximo de "diversão" que consigo encontrar. Observo por um tempo suas mãos, tempo suficiente para analisar todos os dedos. Realmente, nada de alianças. Não consigo lembrar quando começou essa obsessão. Simplesmente observava as alianças, principalmente de casais. Com o tempo, tornou-se algo involuntário. Hoje, sempre que conheço alguém que pareça interessante, olho suas mãos. Algo discreto, uma olhada rápida, de relance.

Seu telefone tocou. O tom parecia de discussão. Reclamava por ter ido a algum lugar que não tinha o produto que precisava. Nada muito atrativo. Desligou o telefone e voltou a repousar as mãos sobre a bolsa. Ao seu lado, um senhor - trabalhador, pobre, suado - senta. Ela se aproxima ainda mais da janela. O rosto continua esnobe e o olhar perdido, distante. Continuo a observá-la por um tempo, até que adormeço. Acordo apenas 20 minutos depois. Olho imediatamente para o reflexo: ela continua estática, com o mesmo olhar, mãos ainda sobre a bolsa. O senhor ao seu lado desce, e ela volta a ocupar todo o espaço de sua poltrona.

Meus olhos continuam fixos, embora nenhum gesto mais seja revelador e sua expressão preserve a mesma monotonia do início desta observação quase antropológica. De repente, seu olhar se desvia para trás. Pelo reflexo, me enxerga. Vira-se para frente, mas em menos de um minuto volta a me olhar. Penso em virar o rosto, fechar os olhos, mas desisto de qualquer ideia. Nos observamos por apenas um instante. Ela parece curiosa, eu, desconfiado. Nos aproximamos da parada, ela vai descer no mesmo ponto que eu. Enquanto me levanto, percebo que pela terceira vez sou observado. Ela vai logo à minha frente, não pronuncia uma única palavra, não desvia mais nenhum único olhar. Apenas sai do ônibus. Vai em sentido oposto ao meu. E seu reflexo, observo uma última vez, já distante.

Um comentário:

  1. Gostei do proposta temática do blog. Afinal aqui poderá ser um outro meio por onde poderá divulgar aquilo que na notícia pode não estar explicito.

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