segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A saga de Jorge - A Entrevista

Sim, Jorge finalmente conseguiu uma oportunidade. A ligação era de uma das muitas agências que ele havia visitado para largar seu tímido currículo. A entrevista era para uma vaga de assessoria de imprensa em uma empresa conhecida em toda a região. O salário era pequeno se comparado à responsabilidade que a vaga exigia, mas para um novato sem grana e louco para trabalhar, era mais do que suficiente.

A dificuldade agora era preparar-se para a entrevista. Queria ter na ponta da língua a resposta para qualquer pergunta possível em uma entrevista de emprego. E ele se dedicou. Pelo menos durante os três dias que distanciaram a ligação da entrevista, Jorge trocou os sites e chats pornôs por livros, estudos sobre economia, política, esporte, cultura, moda, comportamento, medicina, biologia, geografia, história, e aproveitou para reavaliar seu domínio da língua e as regras da reforma ortográfica.

O segundo passo era estar com a melhor aparência possível. Jorge arrumou o cabelo, fez a barba, passou creme para espinhas e uma base para disfarçar as manchas das espinhas estouradas. Mas ele não queria ir de jeans e camiseta em sua primeira (e talvez única) oportunidade. Mas também não tinha grana para alugar um terno. Resolveu pedir emprestado para um amigo. A diferença de altura entre eles era pequena, e tinham praticamente o mesmo porte. Mas, por um infeliz acaso, seu amigo calçava dois números a menos.

Sem tempo para conseguir sapatos maiores, e com medo de se atrasar para seu mais importante compromisso, nosso amigo se veste e sai, sem dar atenção aos sapatos apertados. A entrevista seria na agência, não muito longe da casa de seu amigo. Antes de entrar, Jorge revisa mentalmente cada ponto estudado, formula respostas inteligentes, separa algumas citações de Nietzsche e Schopenhauer para usar na hora certa, causar impacto.

Chega dez minutos mais cedo, para mostrar responsabilidade. Mas ali na sala de espera, repara que há outros estudantes de jornalismo, lendo, parecem concentrados, alguns têm até experiência em redações ou assessorias! E agora, o que fazer? É lógico que não há nenhuma chance, pensa o pobre rapaz. De repente, tudo que havia estudado parece evaporar de seu cérebro. Ele se desespera. A secretária chama todos os candidatos para uma pequena prova antes da entrevista. Mas o que é isso? Uma prova? Mas não seria apenas a entrevista? A secretária explica que a prova tem o intuito de fazer uma primeira filtragem, separando os aptos dos não-aptos para a vaga e avaliando seu nível de conhecimento sobre a profissão.

Os candidatos entram em uma sala de reuniões, não muito grande, mas espaçosa o suficiente para acomodar a todos. Jorge treme ao receber a avaliação. As letras parecem embaralhar-se, as frases não fazem sentido e o desespero aumenta. "Comecem", ordena a secretária, dizendo que o prazo para a entrega é de uma hora. Sim, uma mízera hora! Questões objetivas que não permitem ao inexperiente rapaz demonstrar seu conhecimento sobre Nietzsche, economia mundial, soluções para a corrupção no Brasil ou, quem sabe, sua incrível capacidade crítica em relação a filmes para adultos. Tudo que deve responder é sobre a profissão e a empresa em questão, empresa esta que passou em branco nos estudos do rapaz.

Uma hora passa depressa, principalmente quando precisamos que passe devagar. Quase metade da prova ainda estava em branco quando Jorge foi forçado a entregar seu gabarito. Saindo da sala, outra secretária (a mesma que o atendeu quando levou o currículo e que ligou marcando a entrevista) o vê e o chama. "Você é o Jorge, certo?", pergunta a bela moça, com um sorriso cruel nos lábios. "Sim, sou eu", responde timidamente o rapaz. "Pois você está uma hora atrasado!", retruca a secretária, agora em um tom mais sério. "Não estou não. Eu estava ali na sala fazendo a prova", responde o rapaz. "Não! Aquela prova era para a contratação de um Assessor efetivo, que será contratado pela empresa. A sua vaga é para um estágio em assessoria, na mesma empresa, mas apenas um estágio. E sinto dizer que, devido a seu atraso, dificilmente você ganha essa vaga. Mas não desista, a gente te chama na próxima seleção!" Com o mesmo sorriso cruel de antes, a moça anuncia o próximo candidato para a vaga do estágio. Enquanto isso, Jorge sai da agência. Segue na direção oposta à casa de seu amigo, vagando por aí, sem direção certa, com os sapatos apertados nas mãos.

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