segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Heranças do musaranho

O pequeno musaranho era meio inconformado. Tá, não era bem o musaranho que existe hoje, mas uma espécie de avô, milhões de anos mais velho. Enfim. Esse pequeno ancestral do musaranho era um inconformado. Não era bem visto pelos companheiros. Para eles estava tudo bem. Viviam em comunidade, alimentavam-se o suficiente para sua sobrevivência. E só. Nada de questionar as desigualdades na distribuição de alimento, nem estabelecer regras de convívio social. Ninguém abria a boca para falar nada. Até porque, nenhum deles sabia falar, ainda. E vem daí a importância do pequeno musaranho inconformado.

Começou quando esse vovô questionador resolveu se perguntar: por que nós não subimos em árvores? Só o solo não era o bastante. Mas é claro que, para todos os outros, o musaranho em questão era apenas um lunático. Afinal, onde já se viu um musaranho subindo em árvores? Mas é claro que ele não desistiu. Decidiu que esse seria seu objetivo de vida. Passou todas as horas possíveis, durante intermináveis dias tentando escalar árvores. Mas o tempo passava, e o pobre musaranho perdia as forças. Seus filhos tomaram então essa responsabilidade. Aquela família começou a ser excluída, mas não davam bola. Queriam realizar o sonho do patriarca, agora falecido. E foi de geração em geração que o sonho perpetuou, até o dia em que um filho nasceu diferente. Sua pequena pata não era inteira, mas dividida, com algo semelhante ao que chamamos hoje de "polegar".

Sim, o primeiro passo para a evolução. O musaranho conseguiu subir em árvores. Mas, e agora, qual seria seu objetivo de vida? A razão de existência daquela família era apenas realizar o sonho maluco de seu avô. Mas agora, nada mais fazia sentido. Então, alguns resolveram acomodar-se, já que dominar o solo e os galhos das árvores já era o suficiente. Mas outros poucos seguiram aquele mesmo espírito inquieto do vovô musaranho, e perceberam que poderiam ir muito mais longe. Ensaiaram então os primeiros passos sobre duas patas.

Com as patas dianteiras livres, e principalmente, com polegares nas patas dianteiras, começaram a construir instrumentos rudimentares, usados para conseguir alimento. Os musaranhos, agora, já não se pareciam em nada com aquele pequeno ratinho de 10 centímetros do início da história. Cresceram, adquiriram habilidades, criaram polegares, tornaram-se bípedes e seu cérebro estava em plena evolução. A mudança de postura (e alguns outros fatores explicados cientificamente) contribuíram para que a laringe se dilatasse. A boca agora estava livre, já que não era mas usada para carregar o alimento. Estava pronta para adquirir outras funções. O hemisfério esquerdo do cérebro estava cada vez mais independente do hemisfério direito.

Assim, a parte do cérebro responsável por nossa capacidade de comunicação estava cada vez mais desenvolvida. A laringe configurava-se como uma concha acústica que abrigava aquilo que hoje chamamos de cordas vocais. E a necessidade de comunicação crescia tanto quanto a capacidade do ser humano de se comunicar. As primeiras palavras foram esboçadas. Os primeiros idiomas tomaram cor. E assim começou a história da comunicação. Tudo porque, certa vez, um pequeno bichinho decidiu subir em uma árvore.


Esse post foi inspirado na aula de Tecnologias da Mídia do dia 19 de agosto. A cadeira é ministrada pelo professor Leonel Ayres, na Universidade de Santa Cruz do Sul.

2 comentários:

  1. Muito inteligente o texto Renan. Adorei!

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  2. Renan, esta aula de Tecnologias da Mídia é realmente instigante. Começa pelas leituras distópicas, que fazem previsões de um futuro pior e como devemos lidar com a tecnologia. Passamos a nos questionar se realmente somos nós que estamos no controle. Ainda nos faz refletir sobre a dependência que o advento da tecnologia resultou em nossa sociedade. Em outra, Estética e Cultura Midiática, uma das discussões serviu de base para que eu fizesse uma letra. Parabéns pelo texto!

    Abraço!

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