quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Viciados em adjetivos

Quando entrei para a faculdade, era viciado em adjetivos. Não importava muito escrever sobre o fato em si, desde que pudesse falar sobre "os pássaros que gorjeavam no horizonte daquela linda manhã primaveril, enquanto o alto e imponente som de uma boiada fazia-se ouvir ao longe". Mas com os anos de estudo, aprendemos que nossa função não é fazer literatura - ao menos não em primeiro plano. Concordo que é importante contar uma história de forma interessante, mas ainda mais importante é deixar claro o que se está contando.

É o que podemos ver em livros como "Honra Teu Pai", do repórter Gay Talese (considerado por muitos como o maior repórter do século XX). A literatura é usada para dar sabor ao texto, mas a história contada vem sempre em primeiro plano. O mesmo pode ser visto na obra "Corações Sujos", de Fernando Morais. Em ambos é possível perceber o intenso estudo dos repórteres, a busca por documentos, entrevistas, fontes oficiais e não-oficiais. Não há especulação; não há bajulação; existe apenas um intenso trabalho de reportagem que faz uso de recursos literários para contar histórias verídicas de forma atraente.

Em última instância, jornalismo é um braço da literatura. É a vertente que conta histórias reais, que não inventa fatos, mas os retrata levando em consideração toda a bagagem cultural do repórter - afinal, imparcialidade é uma utopia, e o repórter sempre se posiciona em uma matéria, mesmo que seja ao definir a angulação de sua reportagem. Mas mesmo posicionando-se, é função do jornalista  não ser tendencioso.

O impasse a que chegamos soa contraditório, mas não é. Ao definir uma angulação e minimamente posicionar-se sobre o conteúdo da reportagem, o repórter adquire a obrigação de apresentar todas as facetas de uma história para que o leitor possa tomar suas devidas conclusões. O jornalista não pode, por exemplo, chamar de "assassino" o suspeito de um crime que ainda não foi julgado; não pode chamar de "estuprador" um personagem de um caso que ocorreu dentro de um reality show sem antes ser comprovada a culpa do rapaz em questão. Da mesma forma, não é dever do repórter ser advogado de um político acusado de corrupção ou de bajular os anunciantes do veículo.

Mas é intrigante como o vício em adjetivos, algo que deveria ser curado nos primeiros semestres da universidade, tornou-se um dos males do jornalismo contemporâneo. Mais do que a angulação, o que vemos diariamente em grandes veículos são artigos disfarçados em formato de matérias. São textos que especulam, julgam e condenam, sem saber ao certo o que de fato ocorreu e sem dar ao leitor a oportunidade de conhecer todos os lados da notícia. São comunicadores que fazem política em cada linha escrita, que defendem seus interesses (muitas vezes escusos e de forma velada) a cada parágrafo.

Um jornalista pode e deve mostrar seu posicionamento em determinadas situações, mas existem formas bastante específicas para se fazer isso. Textos opinativos, em geral, são assinados e identificados, justamente para que não se faça confusão entre o que é informação, especulação e opinião. É um direito do repórter manifestar-se, mas é seu dever não manchar a profissão defendendo interesses próprios.

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